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BOLSO FURADO


Boas amizades construídas sobre duas rodas. Não costumo fazer muitas fotos de passeios, pois elas se perdem entre centenas de arquivos nomeados por números aleatórios. A facilidade que temos hoje em registrar os momentos, que antes dependiam da revelação de filmes, álbuns físicos, slides(!) tornam-as para mim imagens de esquecimento, só acessadas pelos aplicativos de redes sociais, que, vez por outra, resgatam antigos registros e nos sugerem saudade.

Porém, mesmo sem arquivos de imagens, os registros mentais de momentos ligados a sentimentos, permitem-me verificar a validade e utilidade destas memórias.

Rolê por São Francisco foi um deles. Na pousada, ronco de motores anunciando um a um a chegada dos irmãos em momentos distintos, saudados com abraços fortes e sorrisos sinceros. Churrasco, música, histórias de viagens, tudo orgânico e pessoal. Disputas bairristas entre estados, novos apelidos dados aos amigos, geralmente baseados em “pisadas na bola” durante o encontro. Irmandade.

O Forte Marechal Luz, na Barra Norte da Baía de Babitonga é um exemplo destes momentos. Construído no século XIX para proteger a região contra as invasões e garantir a segurança do porto, reserva uma bela vista do mar. Motos estacionadas, o passeio pela edificação amalgamava a obra da natureza e a das mãos humanas. Tem muito a relacionar com o motociclismo: a proteção proporcionada pelo bonde na estrada e a beleza das paisagens.

Hora de ir embora e a chave da minha moto sumiu. Por que sumiu? Bolso furado, de tanto carregar coisas. Contei aos amigos da perda. O mais irritante é ouvir várias vezes a pergunta: “Perdeu? Onde você perdeu a chave? Porque não pendurou a fita no pescoço? Trouxe a chave reserva?” Ora, se eu soubesse onde estava, ia buscar! Depois da revolta geral, pois atrasei o passeio e já era hora do almoço, deu-se a cena mais engraçada. Toda a turma, ao invés de contemplar o horizonte e capturar imagens, estava caminhando nas mais diversas direções, olhando para o chão, em busca da chave perdida. Parecia um bando de desanimados e desiludidos!

Mas a estratégia deu certo. Em razão da dedicação de todos, quase uma hora depois foi encontrada.

Tomado pela lembrança, ocorreu-me um texto bíblico:

“Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas.” (Jeremias 2.13 – ARC)

Guardamos muita coisa nos bolsos dessa vida, coisas de pouco valor que parecem por momentos serem úteis ou necessárias, mas poderão romper nosso coração e nos fazer perder o que de precioso está guardado. Meu bolso furado não podia conter a chave, nem nada por muito tempo.

Já ganhei e perdi muito nessa vida. Quero reforçar o bolso da alma, para não perder amigos como aqueles que comigo permaneceram em busca daquilo que era importante para mim. E, juntamente com o “manancial de águas vivas”, procurar com eles o sentido e a realização de cada um.

O meu apelido por ter perdido a chave? Deixa pra lá. Bora rodar?

Uratai Branco

Ceifeiros da Meia Noite

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